domingo, 1 de junho de 2014

[Contos da filha de um alcoólatra] A falta de alguma coisa que eu talvez nunca saiba o que é ...

Restou algo de alguém que você talvez nunca tenha sido ...
Restaram algumas coisas boas e outras tantas ruins. E as ruins prevalecem.

E eu me recordo de todas elas ...
A pior é saber que você mesmo não permitiu que restasse tempo para reaver e consertar o que você quebrou com o passar do tempo.

Eu já me despedi de você um tanto de vezes, por todos esses anos ... e .. em cada uma delas, eu me lembrei do tanto de vezes que por sua causa eu me despedi de mim mesma, da minha própria vida, como se aquele fosse mesmo meu instante derradeiro.

Eu simulei as batidas, simulei as quedas de precipício .. simulei cada movimento meu para sair de um veículo queimado, quebrado, em chamas, amassado, virado, arrebentado. E eu não deveria estar pensando nisso ...
certo? Crianças não precisam se preocupar com isso, certo? Crianças não devem precisar se despedir de si mesmas tão cedo...

Restaram dúvidas, perguntas a fazer, sonhos que você não poderá realizar.
Restaram brigas e decisões que eu queria ter tido com você.
E a agora, a cada vez que te vejo, que te olho, que te beijo, você parece não estar mais aí dentro.

Restaram também o Simply Red, Barry white, Rock, Forró e toda sorte de ecleticidade que fosse possível musicalmente em um ser humano.
Restou o carinho especial e a delicadeza sedutora. Restou a sedução severa ... a mágica da palavra e de ser o centro sem dificuldades.

Restou a argumentação e a sagacidade. Restou o instinto de sobrevivência.
Restou a certeza de saber que, quem você foi, nunca saberá quem eu me tornei, ou quem eu virei a me tornar.

Restaram as internações, as eternas discussões, restou indiferença.
Restou a luta pra não lidar com isso sozinha.
O que você deixou pelo caminho são cacos de todos nós e depois disso tudo, você sequer existe... e todos nós estamos tentando colar o que restou do queríamos ter sido.

Fomos promessas, potenciais. Somos hoje a luta para superar você. Cada um a seu modo, cada um com seu nível de dificuldade.

Restou a falta de alguma coisa que eu talvez nunca saiba o que é ...

T.S.

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